Vômito dos Namorados
Quando o Dry Martini vira companhia e testemunha das minhas mancadas.

No começo da semana, num desses deslizes de autoestima que levam a gente às redes sociais, vi dois restaurantes que eu adoro anunciando cardápios fechados pro Dia dos Namorados. Tudo muito bonito, de estética moderninha, pratos com ingredientes sofisticados, sugestões de bebidas para harmonizar e preços salgados que fariam subir a pressão de qualquer comensal. Pensei imediatamente: e se eu mesmo fosse meu par perfeito? Mesmo estando solteiro, resolvi testar minha própria teoria da maturidade emocional, dessas que você lê em posts de Instagram às duas da manhã e acredita porque está vulnerável e meio bêbado. Decidi comemorar o amor por mim mesmo, pela minha existência maravilhosa (contem irônia) e, claro, pelo prazer de comer algo caro e gostoso sozinho.
Reservei minha mesa no restaurante de um casal de amigos queridos. Sua cozinha mistura a cultura italiana, espanhola, judaica, coreana e boliviana que são características do bairro que os abriga. Cheguei sozinho, pleno, decidido a ser a melhor companhia que já tive, cercado de casais fazendo selfies com cara de plenitude forçada, brindando juras eternas de amor que vão durar até a próxima DR sobre quem esqueceu de pagar a conta de luz. E por pessoas tão apaixonados quanto prestes a descobrir pequenas traições pelo direct do Instagram.
Fui recebido com uma mistura de surpresa e pena. O menu só chegou até minha mesa depois que pedi, talvez porque o restaurante estivesse esperando que o assento ao meu lado fosse ocupado por alguém que jamais chegaria. E mesmo que perguntassem se minha companhia estava atrasada eu teria respondido com a dignidade debochada que só um solteiro consciente tem: "Estou aguardando o Dry Martini, pode trazer, minha solidão é gourmet e tem pressa.”
No meio da noite, a esposa do chef chegou. Ela, uma amiga de longa data e de diferentes carnavais corporativos. Começamos a conversar, depois sentamos um ao lado do outro e no passar das horas e dos drinks eu comecei a vomitar verdades reprimidas relacionada a pessoas em comum que me davam um misto de alívio e remorço. Me desculpava entre uma golfada de palavras e outra. Fiz do ouvido dela um vaso que recebia o meu coma-moral. Fui a pessoa que mais prometo a mim não ser: inconveniente. Por mais que meu jorro fosse legítimo pra mim e compreensível para ela – aliás, ela foi incrível no acolhimento, mas não merecia essa enxurrada de ressentimento alimentado por idealizações e regado a fantasias.
A noite voou tão rápido que nem deu tempo de eu pedir sobremesa — muito menos tempo para digerir minhas próprias baboseiras. Saí estacionando meu ego torto na calçada, observando as portas do restaurante se fecharem como se dissessem “acorda, bebê, a festa acabou”. Em vez de sair leve como um sabichão apaixonado por si mesmo, fiquei lá, abraçado ao vento e ao meu orgulho mal-ajustado, esperando um Uber que levou mais tempo pra chegar do que eu levei pra queimar meus poucos neurônios no balcão do restaurante.
No dia seguinte, acordei com aquele gosto de ressaca emocional: pensei em mandar uma mensagem de desculpas, mas desisti — não porque fosse covarde, mas porque o autocontrole também tem limite, né? No fim das contas, além de descobrir que a única fantasia que vale a pena ser alimentada, em dose dupla, é a do amor-próprio, também dei por mim que admitir nossas próprias mancadas é ainda mais divertido… desde que a gente saiba quando trocar o drink pelo divã.
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