
Você deu um match com Vinicius no dia 14/01/2025. Foi mais ou menos essa a notificação que recebi do Tinder. Algo raro, quando não duvidoso. E eu, prontamente, obedeci à regra oculta, que poderia facilmente aparecer nos vídeos de etiqueta da Fafá Scarpa, Claudia Matarazzo e da finada Fê Brito — que Deus a tenha em um lugar com muita elegância — e que diz que quem dá o match inicia a conversa, como numa dança ritualística de acasalamento do reino animal.
Nessa fauna cheia de camadas que faria inveja ou decepcionaria Darwin, há os que puxam papo com entusiasmo, os que somem como abduzidos, os que mandam um coração vazio como suas personalidades, os que desfazem o match por arrependimento ou covardia E, por fim, os cretinos que ficam em silêncio, contemplando o próprio umbigo. Esses últimos não devem ser Homo sapiens, mas Homo silentius idioticus — o tipo que acredita que o Haddad ia taxar pets e coleciona matches como praticantes de taxidermia.
Mas Vinicius era um espécime aparentemente “normal” nesse zoológico virtual. Bonito, mais de 30 anos, morador do bairro ao lado, e que conseguiu a proeza de conversar por seis horas seguidas — um feito digno do Guinness Book. É o tipo de conversa que eu mais gosto, a natural, daquelas sem questionários do ENEM e sem parecer que estou em um monólogo kafkiano. Nossa conversa fluía, como se estivéssemos em um bar, restaurante ou deitados na cama — sendo essas duas primeiras opções tão prováveis quanto eu ganhar na loteria.
E o momento inevitável chegou: Vinicius compartilhou comigo seu número de telefone para continuar a conversa pelo WhatsApp. Até aí, tudo bem, é a evolução natural da espécie Homo digitales, saindo do Jurássico do Tinder para a era moderna do WhatsApp. A conversa continuou e começaram as indiretas sobre o que eu estava fazendo, seguido da afirmação de que estaria livre na manhã do dia seguinte, até que veio o convite para beber com ele. De começo, eu fiquei receoso dele ser fake e integrante de uma nova formação da gangue do Sacomã, mas agora em Perdizes e que rouba o celular assim que a vítima chega ao endereço. E a vítima potencial aqui, no auge da sua carência, só queria ter um beijo roubado, poxa! Quem sabe até um rim, se a noite fosse realmente boa.
Depois de muita enrolação, aceitei com a cabeça nas minhas sessões de psicanálise sobre trabalhar algumas resistências — e pelo visto, o bom senso também. Pensei: a Cláudia vai ficar orgulhosa de mim na quinta-feira, ou vai me internar, o que vier primeiro. Enquanto ajustávamos os detalhes, ele solta: “Queria fazer uma pergunta. Posso?”. Quando pede permissão para perguntar eu tenho a vontade de responder: “Pode, assim como eu também tenho o direito de fingir demência”, mas respondi apenas: “Faça!”. E ele: “Caso role algo, você curte o quê?”. Putz! Meus olhos reviraram a ponto de quase saltarem de suas órbitas e sairem para comprar um cigarro. Respirei fundo e broxei tão rápido quanto um balão furado.
Cara, eu já estava decidido a ir, para que essa expectativa? Por que homem gay pensa de forma tão binária, como se a vida fosse apenas um jogo de “entra e sai”? Cadê o prazer da descoberta? Será que todo encontro tem que ser tão previsível? Pareceu ansiedade juvenil de um punheteiro cheio de espinhas na cara, prestes a perder o cabaço com a prima no Natal. Como diz a música: “Deixa acontecer na-tu-ral-men-te!” A conversa continuou cheia de rodeios, desculpas vazias, cordialidades dissimuladas e lamentos agridoces. Depois de 50 minutos de silêncio mútuo, mais constrangedor que um pum no elevador, eu tento um último contato, sem resposta e sem leitura. Pensei: Vinicius deve ter me trocado por um pedido mais fácil do iFood amarelo.
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